domingo, 9 de agosto de 2009

Uma leitura interessante

Cheiro a Weimar*



Por Luciano Amaral



Há dois meses, um furacão trouxe para o prime time televisivo imagens dramáticas do lado menos feliz da sociedade americana a pobreza de certos bairros negros. Correu então uma incontida alegria pela pena dos comentadores, que se empanturraram numa verdadeira orgia de bordoada na América, no neoliberalismo selvagem e, claro, no compêndio dos dois, o Presidente Bush.

Agora, não foi preciso um furacão para mostrar o lado mais pobre e mais podre da sociedade francesa, mas ainda não se viu a mesma desenvoltura para sovar a Europa e o modelo social europeu. Haveria até bastantes razões para isso, usando o mesmo elevado padrão intelectual, já que (embora ninguém tenha falado nisso) também na Dinamarca (na Escandinávia das delícias da nossa classe política) os subúrbios de Ahrus conheceram episódios parecidos, tendo mesmo surgido carros queimados em Bruxelas e em três cidades alemãs.


Em vez da metralha deste tipo de disparates, aquilo que apareceu foi uma espécie de inútil gongorismo sociológico, misturado com umas suavidades sobre "desafios para o futuro", para além da tentativa apatetada de encontrar um Bush local, na pessoa de Nicolas Sarkozy.

Num continente onde o único instrumento intelectual que tem sido desenvolvido consiste no ódio à América e ao neoliberalismo, não admira a pobreza analítica e a incapacidade para perceber a tragédia na altura em que ela bate à nossa própria porta. Quando não se pode atirar a matar a Bush, não resta nada.

Vale a pena, no entanto, tentar perceber um pouco melhor aquilo que se passa. Só que tentar percebê-lo requer lidar com temas que ninguém na Europa quer discutir a sério o comportamento demográfico dos europeus, a imigração, o Estado Social e o radicalismo islâmico

Na origem, está o comportamento demográfico, que actualmente não garante a substituição de gerações na Europa. Muitas vezes não se repara como é estranha a vaga de imigração para o continente.


A imigração em geral não depende apenas da existência de níveis de vida muito diferentes entre dois territórios. Depende sobretudo da existência de postos de trabalho por preencher no território que é mais rico. As grandes vagas de (e)imigração dos séculos XIX e XX fizeram-se para países com um pujante crescimento económico.


Ora, as economias europeias pouco crescem. O que atrai os imigrantes à Europa é a escassez de mão-de-obra para alimentar o Estado Social, que precisa deles para manter os subsídios de desemprego e as pensões de reforma.·


É notável a perversidade de todo o mecanismo os europeus recusam-se a entrar em certas profissões desqualificadas, a isso preferindo o desemprego e o subsídio que ele garante.

Mas como elas têm de ser desempenhadas, os imigrantes são convidados a fazê-lo. Aceitam condições de trabalho e remunerações intoleráveis para um europeu original. Já os seus filhos recusam o mesmo destino. Não só as suas expectativas são mais elevadas, como, sendo cidadãos plenos, recorrem livremente às esmolas do welfare state.

É assim oferecido à segunda geração um incentivo ao desemprego. E deste modo se alimenta a elevada taxa de desemprego que caracteriza as sociedades europeias, a qual tem de ser coberta por novos imigrantes, que voltam a aceitar horríveis condições laborais. Afinal, aquele que é suposto ser o modelo de protecção social mais sofisticado não dispensa a existência de uma subclasse permanente, sem plenos direitos económicos, cívicos e políticos.

Incapazes de lhes oferecerem oportunidades para além do perpétuo subsídio de desemprego, os países europeus remetem os filhos de imigrantes para aldeias etnográficas, onde, em nome do multiculturalismo, os deixam prosseguir hábitos tantas vezes contrários à lei e à moral tradicionais europeias.

Onde a imigração islâmica predomina, abundam os casamentos forçados, a poligamia, a violação iniciática e a excisão vaginal. Independentemente de, poucos metros ao lado, vigorar o princípio da total emancipação feminina.

Não vale a pena tapar o sol com a peneira e não reconhecer que os amotinados de França são de origem islâmica, muitos sob o efeito das prédicas dos imãs locais, que destilam o mais puro ódio contra a sociedade ocidental decadente. Este é o mesmo caldo de cultura que nos deu o assassino de Theo van Gogh e os bombistas do 7 de Julho.

E agora, depois de 15 dias de manifestação de ódio dos filhos de imigrantes pela sociedade que acolheu os seus pais, o que vai fazer a França tradicional? A França branca e dos imigrantes de primeira geração (onde, de resto, se encontra grande número de votantes em Le Pen)?

Atrevo-me a sugerir (esperando, porém, que um milagre aconteça) que fará uma de duas coisas (ou as duas juntas) igualmente trágicas ou demonstrar uma compreensão ainda maior pela desgraça dos "jovens rebeldes", assim contribuindo para aprofundar a deliquescência da autoridade republicana, ou afirmar um ódio radical ao "estrangeiro". Parece uma situação sem saída? Parece. Mas há circunstâncias em que assim é. Também a fraqueza da Alemanha de Weimar não tinha uma solução feliz.




Novembro de 2005



Luciano Amaral



*originalmente publicado no Diário de Notícias

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